segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A Felicidade do Discípulo

Bem-aventurados
A palavra “makarios” é o termo grego traduzido para “bem-aventurados” ou “felizes” e aparece antes de cada virtude apresentada no Sermão do Monte. Não há um consenso de quantas vezes o termo é utilizado nesta primeira parte do sermão. Na maioria das traduções encontramos 9 vezes a palavra “felizes” ou “bem-aventurados”. Nesta primeira reflexão, estamos considerando apenas o consenso generalizado de que a felicidade é o tema central desta primeira parte do Sermão do Monte.

Jesus não estava lidando com um tema novo, a busca da felicidade é tão antiga quanto a história dos seres humanos, existe paralelamente a toda e qualquer manifestação humana primária, até mesmo as consideradas “inconscientes” – conhecimento não perceptível, ou ainda não decodificado. Lidamos com o tema da felicidade como uma “pulsão” humana que não se esgota. E ai, já não podemos reduzi-la a uma categoria científica racionalista. Podemos até analisar as manifestações da felicidade, mas jamais reteremos as surpreendentes maneiras como se evidencia na singularidade de cada pessoa. Reconhecemos também o desgaste da palavra felicidade; de modo que, será sempre necessário estabelecermos distinções da felicidade apresentada no Sermão do Monte e outras ondas de prazer.

A felicidade é um estado de alma, uma condição de se perceber realizado com a vida, um sentimento de paz interior, que tudo indica, nunca se esgota – há sempre um espaço a mais no campo dos sentimentos, que busca ser mais feliz. Por isso, a felicidade está presente na consciência em forma de convicções, valores, realizações, mas também no inconsciente, expressa através de desejos, sonhos e esperanças.

1. O prazer meramente produzido – prazer pelo prazer

2. A felicidade de se viver plenamente a vocação de ser gente - realização pessoal pelo prazer de se cumprir a vocação de ser gente feita a imagem e semelhança de Deus

3. Felicidade transcendente – Alegria que nunca entristece - .... Tudo porque, a felicidade do discípulo nasce na conexão espiritual entre o ser antropológico com o Ser – Aquele Outro, que se busca no espaço da alma, mesmo sabendo que Ele (o Outro) transcende ao último ponto que o infinito humano possa alcançar. No ensino de Jesus, a felicidade é enfocada mesmo que, diante das lágrimas – “felizes os que choram” ou diante da pobreza – “felizes os pobres de espírito”. O discípulo para ser feliz não depende da alegria ou tristeza durante a noite nem das circunstâncias de uma nova manhã. Sua felicidade independe do tempo. Não porque o discípulo tenha domínio sobre o tempo, mas pela sua capacidade de administrar seus sentimentos em relação ao tempo. Seus valores e princípios eternos (não apenas internos), sua capacidade de viver para além das circunstancias ao seu redor, propiciam para o discípulo um sentimento de realização plena.

“Mas agora vou para ti; e isto falo no mundo, para que eles tenham a minha alegria completa em si mesmos”(Jo 1:17). Jesus está falando de um tipo de experiência, que na esfera dos sentimento traduz-se como alegria, mas que em verdade, é apenas uma aproximação, por analogia, da Felicidade incontida, indescritível, indestrutível. Assim como existe o amor de Deus, não poderíamos falar de uma felicidade de Deus? Que, por graça Ele doa aos humanos. Sem essa felicidade transcendente, alegria que nunca entristece, que existe para além das formas, qualquer outro prazer que não esse, é reduzido a instrumentos de reprodução das tristezas e da morte. A felicidade, no Sermão do Monte está contida de dimensões capazes de resgatar o mais profundo significado do ser humano e conseqüentemente, numa experiência de vida que não se esgota no materialismo. Uma espécie de tesouro não material - a traça nem a ferrugem corroem, ladrões não podem furtá-la. Por analogia, esta felicidade é mais fácil de ser percebida na natureza singela das aves do céu e dos lírios do campo. É uma felicidade também relacional como fruto da devoção do discípulo. Cabe ao discípulo a alegria de falar com o Pai Celeste que está em secreto. Doar ao pobre e desfrutar da alegria de doar, ou quem sabe, se for o caso, da alegria de ser recompensado pelo Pai.

O Pai Celeste sabe de todas as coisas, conhece as necessidades antes que elas sejam expostas em oração. Diante dEle qualquer ser humano acolhe um sentimento de esvaziamento, aniquilamento de si mesmo – percebe-se simplesmente, um pobre de espírito. E ai está a felicidade do discípulo. Sua realização plena, sua salvação total. Salvação de si mesmo, de qualquer orgulho, salvação de alegrar-se em qualquer outro ou coisa que não seja o Pai – enfim, salvação de toda a tristeza, frustração, decepção.

A felicidade do discípulo está fundamentada na sua fé. Fé aqui deve ser entendida como uma relação paterno-filial com Deus, de onde brotam os valores, princípios, convicções do discípulo. Pois, na concepção do discípulo, “sem fé é impossível agradar a Deus”. Desse modo, no Sermão do Monte, a fé é muito mais do que um sentimento místico, é mais do que uma realização positivista. A fé, no ensino de Jesus, adquire um caráter relacional e racional, prático, confessional e ético. Na plenitude do sentimento de reconciliação e paz com Deus e na totalidade ética do discípulo de Jesus Cristo encontramos a sua felicidade ou realização plena com a vida.

Resumindo, afirmamos que a felicidade do discípulo consiste primeiramente no reencontro harmonioso com o Ser que é Feliz. A felicidade pela reconciliação com Deus e com a vida. Felizes, portanto, são aqueles que, vislumbrando o Inominável, Indescritível, o Ser que escapa a todas as categorias racionais, se reconhecem demasiadamente indignos, - pobres - não tendo absolutamente nada que possam a Ele oferecer. E são felizes porque, a despeito dessa condição, sentem-se acolhidos e amados por Ele. As demais bem-aventuranças são desdobramentos da conexão do discípulo com a fonte da Vida. Diante do Ser, o ser antropológico (o meu e o seu ser) reencontra as virtudes relacionadas a natureza humana. Por isso: Felizes os que choram – os sensíveis; felizes os mansos; felizes os limpos de coração – os coerentes; felizes os pacificadores, os misericordiosos. A felicidade do discípulo não consiste na recompensa, e sim, na virtude em si mesma. Como disse Spinoza: “A felicidade não é a recompensa da virtude, mas a própria virtude”.

O discípulo sofre e é feliz, não pelo prazer masoquista, mas pela experiência da virtude. Sua felicidade está fundamentada na fé, em sua confiança e amizade com Deus, no prazer de fazer o bem, no exercício de sua vocação de ser gente, de desfrutar de todos os bens que formam o conjunto da vida. Fora da vocação humana, fora da filiação em Deus qualquer ser humano viverá - ou melhor dizendo – morrerá em demasiada tristeza.

Ao discípulo cabe também a tarefa de fazer novos discípulos, e quem sabe, os novos discípulos estarão sujeitos ao sofrimento, e mesmo assim, aquele que arregimenta os novos, se manterá feliz; não pelo prazer sádico de assistir outros sofrendo, mas por encontrar continuadores históricos dos profetas – “regozijai-vos, pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós”.

Não há nada circunstancial capaz de roubar a felicidade do discípulo de Jesus Cristo. Toda a sua felicidade independe de circunstancias externas. Ë um tipo de felicidade que não depende de dinheiro, bens materiais, reconhecimento, prestigio, poder e fama. Uma felicidade assim, transcende ao corpo, e conseqüentemente não é limitada pelo tempo, nem mesmo pela morte.

A felicidade ou bem-estar humano abarca dois componentes básicos:

1. “A FELICIDADE OBJETIVA, passível de ser publicamente apurada, observada e medida de fora, e que se reflete nas condições de vida registradas por indicadores numéricos de nutrição, saúde, moradia, uso do tempo, renda per capta, desigualdade, criminalidade,..

2. A FELICIDADE SUBJETIVA, que é a experiência interna do indivíduo, ou seja, tudo aquilo que se passa em sua mente de forma espontânea enquanto ele vai vivendo e agindo no decorrer dos dias e que volta e meia ocupa a sua atenção consciente nos momentos em que ele se dá conta do que está sentindo e pensando ou reflete sobre a vida que tem levado.” (GIANNETTI; 2002:61).

Escrito por,
Pr. Carlos Queiroz.